“Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (Jo 1,2)
Na espiritualidade cristã é comum pincelarmos algum versículo bíblico que traz à mente e ao coração certa clareza sobre o exercício da fé nos dias atuais, e a comemoração da Páscoa de Nosso Senhor sempre é um momento perfeito para isso.
Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram pode nos traduzir muitas situações ordinárias do cristão que pode nos parecer menores, sem muita substância para tal reflexão, mas atentemo-nos ao seguinte: É na humildade de pequenos gestos, na pequenez de algumas posturas que revelamos a convicção ou a falta dela em nossa vida, afinal, o que cremos com a mente, sentimos com o coração e expressamos com o corpo.
O espanto dos discípulos neste versículo traduz as muitas vezes que pensamos - sem muita reflexão - que Cristo estaria em tal lugar, algo como que “morada pressuposta” de Deus, algo que nem cogita-se o contrário, enfim, uma pré-definição. E o espanto vem quando, mediados por algum evento inesperado, corremos a este lugar pré-definido como habitat de Deus, e não o encontramos, tiraram o Senhor do túmulo…. Claro que o túmulo é signo de adormecimento na morte, mas o podemos compreender como adormecimento de nossa fé que preguiçosamente não busca mais o Senhor, na pressuposição de já tê-LO encontrado em definitivo. Não nos enganemos! O Cristo anda, caminha, ele não fica preso no sepulcro, ele não está morto.
Vejamos que nossa própria vida como cristãos pode tornar-se um túmulo para o Senhor, onde o depositamos e fechamos com uma grande pedra, pensando que nunca mais o havemos de perder. Tolo é o cristão que pensa que havendo recebido certos sacramentos, havendo recebido certas formações, havendo recebido certos afagos pastorais de um ou outro clérigo pensa ter fixado a morada do Senhor, quando pode ter fixado um túmulo onde pensa ter depositado o corpo adormecido de Nosso Senhor. Então, em algum momento de sua vida tentará correr até esta “morada-túmulo” e não encontrará o que procura, e ver-se-á o espanto dos discípulos: tiraram o Senhor do túmulo. E além disso, claro está que nesta estupefação está a falta de consciência da própria culpa por não encontrar mais o Senhor onde imaginou-se que estaria - tiraram… -, ou seja, alguém ou alguma coisa fora de si teria afastado Deus de sua vida, culpando algo abstrato e indefinido, ou talvez o próprio Deus por ter-se sumido.
E se não bastasse esta postura reveladora de uma vida cristã mesquinha e rasa, além do espanto, a percepção de que não sabe-se onde o procurar mais: ...e não sabemos onde o colocaram.
Sabes onde o procurar, mas precisas admitir a falta, admitir a postura equivocada e mesquinha com que viveu o cristianismo até aqui. Cristo vive, Cristo caminha pela história. Sua Igreja é o porto seguro e seus sacramentos suas vias de salvação, mas recebê-los só se tornaram garantia de presença do Senhor ao passo que o cristão não perca de vista a constante busca pelo Senhor. Se pararmos de tentar visualizá-Lo, o perderemos de vista em meio ao mundo repleto de coisas rasas, mesquinhas e fúteis, que nós mesmo criamos. E assim, após o espanto de não encontrarmos a Cristo quando o procuramos naquele local pré-definido por nós mesmos, temos a possibilidade de o acharmos novamente, basta abandonarmos nossas cômodas certezas, estas que nascem de uma rasa reflexão, e buscarmos o Senhor com mente e o coração sensíveis e humildes, lembrando que o Deus da vida é o Deus da história, o Deus onipotente que nos ama, mas que não prende-se em nós e nem é enterrado por nós.
Feliz Páscoa.
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